quinta-feira, 5 de julho de 2012

Intimidade é muito mais do que ficar pelado


       Não é o cinema acompanhado, as noites de sábado com programa garantido, o sexo quando der vontade. Não é ter alguém pra chamar de seu, não são as mensagens de bom dia, muito menos alguém pra quem comprar presente no Dia dos Namorados. Suspeito que o que as pessoas tanto busquem quando dizem que estão procurando um amor é a tão querida intimidade. Aquela coisa de querer dividir vontades, revelar segredos, contar coisas que você não contaria pra qualquer um. Intimidade é abrir a porta para o seu íntimo e deixar que o outro mergulhe nessas águas profundas e, muitas vezes, turvas.
           O fato é que não é possível escolher os íntimos – eles simplesmente são.
       Tem gente que força intimidade com os outros, como aquela pessoa que twitta o café da manhã diariamente, avisa quando vai tomar banho e – por que não? – posta uma foto de toalha pra a web ver. A intimidade forçada tenta ser aquela mesma, tão natural, que deixa a gente à vontade pra sair do banho de toalha na frente da prima. Mas ela jamais será. Acontece o mesmo com pessoas que se entitulam amigos íntimos de todo mundo mas que, na hora em que bate aquele desespero na madrugada, não têm ninguém para quem ligar. Afinal, só os íntimos ligam na madrugada para desabafar as dores do mundo em meio ao sono alheio.
          Há também uma confusão quando o assunto é sexo – muita gente diz que sexo sem amor não é bom quando, na verdade, estavam se referindo à intimidade. Aquela mesmo que surge sem escolher a vítima. E então, reformulamos: sexo sem intimidade não é bom. Fica aquela coisa robótica, regada por uma ansiedade em agradar, por um esforço em encaixar o que não se encaixa. Mesmo com os corpos colados, existe um muro entre os dois que impede a entrega. No desespero de não saber o que fazer diante do artificial, os dois encenam uma cena patética, como o ator de teatro que sobre no palco pela primeira vez e, independente dos seus esforços, não convence ninguém de que está à vontade. Era pra todo mundo se emocionar com a história mas ela foi, na verdade, apenas e somente, uma dramatização.
         Intimidade, inclusive, não depende de tempo. Você pode ser casado há 10 anos e não ser íntimo do outro. Agora, quando a intimidade existe, ela não deixa dúvidas. Impossível mascará-la.  Ela chega assim, sem pedir permissão e te faz abrir a vida para aquele estranho que conheceu há menos de duas horas – ele então, passa a saber de coisas que nem aquele colega de anos imagina. Ela faz os lábios se fundirem em um só e faz com que eles dancem em movimentos sincronizados, como o time que treinou há meses. Ela guia as mãos como se possuíssem GPS para a felicidade, solta as palavras como se não existissem tabus, libera o sorriso sincero que dispensa ensaios, torna a companhia mais importante que o programa e vangloria a conversa independente do conteúdo.
        Na vida, precisamos mesmo de semelhantes, de cúmplices, de íntimos. Aqueles que te permitem jogar as máscaras, que gostam de você mesmo quando se é autêntica no limite. Aqueles que te fazem entender o real significado se ser escutada, que te explicam na prática que um olhar vale mais que mil palavras e que te lembram qual o verdadeiro sentido da palavra aconchego. Intimidade, inclusive, nos faz repensar no nosso vocabulário – quando se encontra alguém que lhe é íntimo, palavras como penetração, por exemplo, assumem outro significado – porque a sexual, pode-se fazer com quem quiser. Agora, penetrar no seu ser, é exclusividade de poucos.
             Sorte daqueles que encontram os seus íntimos nas tantas ruas da vida.


Texto retirado do blog Casal Sem Vergonha

terça-feira, 3 de julho de 2012

Antiga


- Você é antiga.
- E você não é a primeira pessoa que me fala isso.
- Consigo te ver de vestidos rodados, e meias soquete com sapato. Cintura marcada, e cabelos enrolados. Buscando o leite em garrafa de vidro, a cada manhã. Congelaram o protótipo de mulher ideal das décadas passadas, e por isso é que você já veio ao mundo com opinião, grandiosa. Mulher.
- Isso tudo é o que você fantasiou.
- Você gosta de telefone celular? Não. Você se diverte nas festas com música eletrônica, superlotadas? Detesta. Você não sabe levar relacionamentos inseguros. E quando cede alguns beijos sem compromisso, se ressente todinha, que eu sei.
- São referências, e não fatos. Mesmo gostando muito desse rótulo retrô, acho que as modas voltam. Mudam pouco, rodam ciclos, e retornam. Mais alguns anos, e a promiscuidade cede lugar ao modo vintage de ser, o novo must have.
- Consigo ver você tragando em piteiras enormes, farta de jóias, impecável numa cozinha fazendo o almoço café e jantar, para o marido e os filhos famintos.
- Gosto de cozinhar. E caso quisesse escrever nas horas vagas, será que algo visto com bons olhos no meu verdadeiro antigo tempo?
- Se seu marido fosse um liberal, acho que tudo bem. Admita: você pilota muito melhor fogão, que automóvel. Prefere cartas, longos escritos, às tão banalizadas conversas instantâneas. Esperou para se dar inteirinha para um cara que te ligaria no dia seguinte. Já tomou seus porres, coisa que até os mais idosos de alma fazem, desde os primórdios tempos. Apenas tem preferido a discrição atualmente, o que é respeitável de uma peça antiga como você. Não beija mais que dois na mesma festa, mesmo se for o príncipe dos seus sonhos (que eu tenho certeza que existe no seu lado idade média, admita também). Aliás, se descobriu no barzinho. Cansou do ritmo acelerado e dos papos fúteis da noite badalada. Você está é em extinção.
- Tudo bem, eu admito sim todos esses fatos. Com certo orgulho, talvez. Mais alguma acusação?
- Você não tem piercings, e nem tatuagens. Abre mão das drogas ilícitas, usufruídas por praticamente todo jovem atual. Por você, o cara só beijaria sua mão no primeiro encontro. Pediria em namoro aos seus pais, como sinal de respeito. E o noivado? Numa grande festa, pedindo a sua mão com um anel enorme em brilhante.
- Verdade, verdade. E quem não quer esse romantismo arcaico? Passear de cavalo com longas tranças, ser salva do tédio não sei se pelo príncipe, mas algum Robin Hood da era moderna, que dá alegria à quem precisa, e a tira de quem não valoriza o sorriso com bravura? Muita mulher é assim, e apenas não se assume ser arcaica.
- Você sonha em viajar para o velho continente, Europa, que eu sei também. Escuta as músicas que seus pais hierarquizaram para você, e gosta disso. Não compreende a bissexualidade, mas aceita os homossexuais como quem quer abraçar alguém logo após um acidente: cheia de compaixão. Trair, para você, além de falta de amor é algo imperdoável. É tímida, só se soltando quando já conhece bem o terreno em que pisa. Não faz amizades por conveniência, e nem sai sorrindo por aí, efusiva. Se fecha com seus livros, e mundos paralelos. Satisfeita com sua família, amigas, e outros pouco selecionados. Você é a antítese, o paradoxo.
- O que é contrário sempre se associa a certo medo, e quem sabe, prazer. Não quero ter que provar que gosto do que repugno e aceito o que acho intolerável apenas para agradar aos moderninhos de plantão. Tenho pavor de montanha russa, e a imbecilidade dos jovens quando em bando me dá náuseas. Sou feita para andar em par, em trio. Festa é algo pra de vez em quando, se não deprimo logo. Todas aquelas conversas montadas, as relações superficiais em que um quer mostrar ter mais que o outro me fazem bocejar. Para escapar da rotina, é que ensaio a tentativa de me parecer com todos os outros, ocasionalmente.
- Vão querer te xerocar, qualquer dia. Uma clonagem em massa, do fenômeno que é não pertencer a esse mundo superficial.
- Daí me reinvento mais uma vez, não para seguir algum modismo, mas sim para camuflar a essência um pouquinho, e escapar sem demais arranhões.
- E se você esconder tão bem e o Robin Hood não te perder de vista?
-  Jogo pelo caminho um pouco do elixir da essência: é o que marca, fica, e aponta as setas de quem a gente realmente quer encontrar. Antiga, ou não.

Camila Paier

segunda-feira, 2 de julho de 2012

Tenho medos bobos e coragens absurdas.


Clarice Lispector