terça-feira, 12 de abril de 2011

O dia de ontem


Mas eu te ouvia dizer que sabias ser necessário optar entre mim e ela, e que optarias por ela, por comodidade, para não te mexeres daquele canto um pouco escuro e um pouco estreito; mas teu. E que optarias por ficar comigo porque a minha loucura te encantaria e te distrairia, embora precisasse te agitar e negar e ouvir e sobretudo compreender novamente tudo todos os dias. E disseste que optavas por mim. Eu já sabia. Por isso não te disse que comigo seria mais difícil do que com ela.

Nem era preciso dizer que não era preciso dizer: eu era teu lado esquerdo e tu eras o meu lado direito: nos encontrávamos todas as noites no espaço exíguo de nosso quarto.
[...] então ela chegou e pediste que ficasse perto, e senti medo e ciúme e de repente achei que optarias por ela, que te divertia e te mostrava as manchas roxas de chupadas pelo corpo e eu ria também porque te queria rindo e porque também gostava dela apesar da dureza de seus maxilares de pedra; gostava dela porque as vezes era criança e principalmente porque agora te fazia afastar a cabeça do travesseiro para observar nossos movimentos centrados de quem começa a decolagem. Decolamos em breve, nós três no meu planeta, vocês duas no teu.
Tive vontade de dizer da minha suspeita, porque me sabias assim desde sempre sabendo anteriormente do que ainda não se fizeram. Assustavam-me essas certezas súbitas, tão súbitas que eu nada podia fazer senão aceitá-las, como todas as outras.
[...] eu ficava sozinho no nosso quarto, e quis te dizer de como era bom que a gente tivesse se encontrado, assim, sem pedir, sem esperar... 

(fragmentos) C.F.

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